terça-feira, 20 de dezembro de 2011

o mal dos outros



costumo dizer que posso bem com a minha infelicidade, e que é a infelicidade dos outros a que mais me faz sofrer. porque me pesa como uma acusação. porque nunca haverá em mim remédio para ela. e como uma culpa que pesasse sobre mim, ela me rói por dentro, e me deixa indefeso, sem remédio que lhe dê. há quem diga: com o mal dos outros posso eu bem. mas isso só seria verdade se o nosso bem se alimentasse do mal dos outros. e nunca é assim. nunca.



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

jardim árabe



Decidimos comprar o "Jardim Árabe" do manel costa cabral. Há vários anos que estava cá em casa. mas emprestado... Pouco depois de eu ter vindo morar para aqui ele disse-me que podia ir ao atelier dele escolher um quadro para cá pôr. ficava aqui "em exposição". se alguém o quiser comprar, vende, disse ele. agora que saiu da gulbenkian decidiu dedicar-se a arrumar a obra, talvez a voltar a pintar. um dia destes pediu-me para lhe mandar uma fotografia do quadro e aí eu estremeci. lembrei-me de como ele era precário, de como podia fugir-nos de um dia para o outro, porque alguém o comprasse, ou o manel o quisesse de volta, essas coisas. E compreendi como ele estava já ligado à nossa vida e à nosasa casa, de como nos seria difícil ver aquele vazio na parede.

O quadro é vários quadros, costumo eu dizer quando o apresento aos amigos. conforme a luz do dia vai revelando pormenores e texturas que parecem escondidas sob a imagem imediata. O verde profundo é mais profundo ainda do que parece: lá atrás da folahegm surge aos poucos uma nova folhagem. percebemos aos poucos que o vaso é o menos, que a folhagem é o menos, e que só esse mistério é o mais. é aí que o nosso olhar se perde, depois de se despre
nder dos pormenores à superfície. Gostamos muito dele e decidimos comprá-lo.
Num meile ao manel disse-lhe que consultámos a Sotheby e que o valor do quadro era de pelo menos cinco mil euros. mas que oferecíamos metade, preço de amigo, e mais umas bacalhoadas pelos anos fora. Ele disse que o desejo dele era poder oferecer-nos o quadro, mas que... ficava por mil e quinhentos se eu juntasse "leite creme à bacalhoada". Parecia que estávamos a regatear num bazar marroquino, mas aqui com o comprador a querer subir o preço.
O que não deixava de condizer com o quadro: o manel disse que o tinha pintado em 1989, depois de uma viagem a Marrocos, precisamente, quando visitou os jardins do Yves Saint Laurent em Marraquexe.

No Dia de Reis, que é o aniversário dele e do Eduardo, bela coincidência, vamos retomar uma já tradição de festejar aqui em casa os anos dos dois. Como já paguei a parte em dinheiro, começo nessa altura a pagar a parte em espécie, com uma bacalhoada de todo o tamanho. E leite creme, claro.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

cenas do meu bairro



Namoro de bairro (1)

Vem morar para ao pé de mim, amor

Iremos juntos pela manhã ao mercado

comprar flores, cerejas

um peixe inteiro com suas escamas de luz.



Namoro de bairro (2)

Chegaram as primeiras cerejas

e a mulher que as vende

num cesto, junto ao passeio

parece trazer ainda nos gestos

(ou será nos olhos, no jeito de falar)

o cheiro do campo

o rumor dos pássaros


vi que apreçavas as cerejas

com tua mãe ao lado atenta

cheguei-me a ti

sem te olhar

mas que ouvisses

e disse: gosto.

E quando voltei a passar

do mesmo modo também

acrescentei depois: muito.

Seguravas o saco de cerejas rutilantes

e sem que a tua mãe entendesse

ainda uma vez voltei

para enfim dizer: de ti.


Olhei-te depois de longe

vi que sorrias

e soube assim que tinha passado

escondido

o amor em contrabando.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

a coragem do leãozinho




quando hoje saímos da escola, o joão contou-me que hoje todos os filhotes dele tinham ido apanhar vacinas. E sabes quem se portou melhor? perguntou ele. eu não sabia, claro. o leãozinho, que é o mais novo. Todos tiveram bom (das patas dianteiras) e "mais ou menos" (das patas traseiras), a lontrinha, o pelicano, os ursinhos, todos. mas o leão teve "muito bom" nas duas patas. Deram-lhe um diploma e tudo.
Bem, hoje de manhã o joão tinha ido ao Centro de Saúde apanhar as vacinas dos 5 anos. A Cereja levou-o, mas depois telefonou a dizer que estava atrasado e que ela tinha de ir embora e então eu fui lá ter. O Centro está muito mudado: foi tudo renovado, tem um aspecto impecável, limpo e eficiente. Mas na sala de vacinas agora não tem brinquedos. O joão reparou logo e ficou triste. gostava de ir lá e brincar. pegeui nele ao colo para a enfermeira lhe dar as picas. duas, uma em cada braço. e o joão portou-se como um valente, como um leão, ia eu a dizer. E no fim a enfermeira deu-lhe um diploma a atestar o seu comportamento heróico.
O João estava orgulhoso e disse-me que depois quando chegou à escola tinha ido às outras quatro salas mostar aos meninos todos o seu diploma.
Também aqui, o joão recorreu ao mesmo truque de "dramatizar" a situação para melhor a "digerir". Uma "pica" não é um acidente inocente: é uma intrusão no nosso corpo (e que dói ainda por cima, pouco que seja). E numa idade em que a relação dele com o seu próprio corpo não é coisa claramente definida, estes momentos são coisas sérias.
Noutro registo, digamos, é nesta altura também que ele (e os amigos dele, claro) passam o tempo a falr em cocós e chichis, com muitos risos e brincadeiras. Uma parte é o gozo do interdito, de romper as regras do que parece mal; mas por outro lado não deixa de ser também o interesse por tudo o que está ligado ao corpo e às funções corporais.
Estou convencido que a visita às salas em parte era para poder mostar ao seu novo amigo Vasco (da sala da Sónia) que "também" se tinha portado bem. No fim de semna o Vasco estev cá a brincar com ele e contou-lhe que tinha tomado as vacinas e que se tinha portado muito bem, só tinha chorado um bocadinho. O joão passou depois o tempo a lembrar-nos que tinha de ir às vacinas. Devia trazer aquela fisgada...
O Vasco é um menino que ele conheceu fora da sala, no recreio, penso eu. E tornaram-se amigos. Depois combinaram os dois irem brincar para casa um do outro. E num dia em que os pais estavam na escola eles decidiram apresentar os pais uns aos outros para depois poderem combinar a troca.
Desta vez veio cá o Vasco, noutra ocasião irá o joão a casa dele.
Agora diz: os meus dois grandes amigos são o Vasco e o Jorge (da sala dele)

Um livro para os amigos



andamos a fazer um livro, eu e o joão. começámos por pensar fazer um livrinho para oferecer à tia lurdes. mas depois vinha aí o natal e o novo ano e tal e decidimos que íamos fazer cópias e oferecer aos nossos amigos. eu fazia o texto (já estava feito - é a história dos três cavalinhos que às vezes leio ao joão) e ele fazia os desenhos. disse logo que gostava muito de
desenhar cavalos. depois disse-lhe que também havia um cavaleiro muito rico e um guerreiro e um poeta. e ele ia dizendo que desenhava muito bem cavaleiros. confiança não lhe falta!
diz ele: depois pões lá história de zé lima e
ilustração de joão lima. está bem, disse eu. E a mãe? a mãe podia fazer a capa em pano.
depois de falarmos nisso, pensei que podíamos fazer a capa com os cavalinhos de pano que a cereja fazia.
mas claro a capacidade de concentração do joão é ainda limitada. e o livrinho vai-se fa
zendo ao ritmo de uma página por dia. quando o vou buscar à escola combinamos o que vamos fazer a seguir e eu lá vou empurrando as ilustrações. Como são só umas oito páginas...














TRÊS CAVALINHOS

Havia três cavalinhos,

Três cavalinhos havia

Um andava a galope

O outro seguia a trote

E o terceiro dormia.


Aí vão eles mundo fora

À procura, à procura

Andavam pelos caminhos

Mas que lindos cavalinhos

Mas que grande aventura.



O primeiro cavalinho

Foi para longe guerrear

Fez a paz e fez a guerra

Para ser dono da terra

E sobre todos reinar.


Era grande o seu poder

Rei de toda a nação

Por todos era temido

Por todos obedecido

Mas amado, isso não.


O segundo cavalinho

Partiu a fazer riqueza

Juntou jóias, juntou ouro

Regressou com um tesouro

Casado com uma princesa.


Toda a gente à sua volta

Pedia favores, dinheiro

Era de todos invejado

Sem nunca ter a seu lado

Um amigo verdadeiro.


O terceiro cavalinho

Ao sabor da fantasia

Correu praias, correu montes

Bebeu em todas as fontes

Das terras da alegria


Teve amigos, teve amores

Que tal era o seu viver

De nada era invejoso

Nem rico, nem poderoso

Que não buscava o poder.


Chegou mais longe e mais viu

O cavalinho risonho

Que se dormia sonhava

E sonhando imaginava

Que toda a vida era Sonho.



sábado, 19 de novembro de 2011

sábado de manhã (2)




Há agora em Lisboa

bandos de papagaios que invadem às vezes

o bairro num alarido de cores e sol

que só conhecíamos dos filmes

ou das histórias que nos contam

Acorro à janela espantado

e surpreendo quase um sorriso

no aceno novo

da palmeira do largo.


* * *


Este menino

Este menino ali

entregue aos seus castelos, barcos, lobos

que logo apaga e volta a erguer

como ilhas, casas, dragões

não sou eu já, que dele me perdi

mas reconheço ainda

o mesmo jeito

o mesmo olhar desprendido

sobre as coisas

a querer ver além do nome

da aparência

o coração que nelas possa bater.


sábado de manhã

hoje a luisinha veio cá ficar. mal acordaram, ela e o joão, puseram-se a construir o mundo deles. daqui de cima só ouço uma ou outra coisa solta. o joão canta, deliciado com a companheira. não quiseram sequer tirar o pijama: esperam pela hora do almoço. vamos depois à feira da ladra. e depois será a vez do joão ir dormir a casa dela, mais exactamente do nuno, com quem passa desta vez o fim de semana.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

de bicicleta


no passado domingo o joão andou pela primeira vez de bicicleta (sem ninguém a aguentá-lo por trás). é só para ficar registado. fomos para a beira-rio perto do teatro camões e do oceanário. o joão sabia para o que ia: decidido ao agora ou nunca. ainda andámos um bocado com a mão no selim a ampará-lo, a berrar pedala pedala. depois larguei-o. e ele seguiu a princípio sem dar por que o tinha largado. mas depois corri ao lado dele a animá-lo. estava orgulhosíssimo (ele e eu e a cereja, claro).

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

nem sei se



o tempo esse ladrão

não deixem à solta o tempo

ou sem açaimo

ladra-nos às canelas as garras de lume

fincadas numa palavra

a que já esquecêramos

um amigo uma casa onde morámos

e mal queremos atentar

ver melhor

de nós já só avistamos uma sombra

um vulto que se desfaz ao longe

ou se volta a dizer adeus



do outro lado

eu a bem dizer pouco sei da vida

viver foi para mim durante muito tempo

o hábito de viver

mas ainda assim inquieto

de ouvido à escuta

dos rumores que chegam do quarto

onde o filho dorme

do outro lado

onde se ouvem as conversas

do outro lado

não é que não possa falar de outras coisas

de quando o mundo se abria em dois

como um fruto

e dele nascia o dia

agora irrepetível

mas é de outras coisas que me pedem que fale.



lembranças à varanda


floriram as lembranças

que tenho na varanda

todos agora podem ver da rua

como encolheram com os primeiros frios

e se tornam amenas quase íntimas

com um gesto desprevenido

alguma palavra que se ouça

de alguém ao passar

abrem-se como braços vorazes

ramificam-se pressurosas

e já se vêem as noites sem sono

as conversas confusas com os amigos

noutros tempos

irrompem como folhas inquietas

renovos tenteantes

enquanto a água corre pela memória fora

até me surgirem nos braços

implacáveis como uma criança



não sei se


supondo agora que sou eu que falo

que sou eu o homem que irrompe ileso

do nevoeiro da infância

e o tempo possível

entre a infância e a amarga contabilidade dos dias

passados longe do mar

dos pássaros das conversas das crianças

como um bicho ferido

arrasto-me na terra e no frio

escavo um refúgio na memória

supondo que sou eu

aquele que tão perfeitamente

por mim se faz passar

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

e vão 65...



no dia certo, logo pela manhã. o joão entrou no quarto, deitou-se a meu lado, quase em cima de mim, e cantou-me os parabéns a você. todo. e no fim: "... para o menino paiii uma salva de palmas."
depois tive mais prendas, mas esta foi a mais bonita de todas. depois houve ainda: um quadro, em tela!!!, pintado por ele em segredo; umas pantufas dadas pela cereja, muito quentinhas; um tabuleiro para tomar o chá, da lurdes; e à noite a cereja preparou uma outra surpresa: tínhamos combinado ir jantar fora, ao restaurante italiano perto do rio. o que eu não sabia é que iam estar lá tb a luísa e o amadeu e a sua anamaria. no momento em que chegámos um barco imenso, daqueles cruzeiros que levam uma cidade de um sítio para outro, preparava-se para partir. gira sobre si próprio, dir-se-ia, vira a proa e lá vai ele. assim eu: nova corrida. nova viagem, coo nas feiras da minha infância. e a mresma descuidada incerteza também.
de certo modo é já mais um tempo adversário do que aniversário, como diz o outro. que sou eu.


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

família alargada

ontem o joão foi dormir a casa da filipa. já uma vez tinha dormido em casa do rodrigo e outra vez em casa da marta. mas era aqui ao pé da porta. desta vez era longe de casa. e, sobretudo, sobretudo, ia na carrinha da escola e voltava no dia seguinte com o gui também na carrinha. de manhã ao despedir-se de mim: adeus pai, até amanhã! Depois na escola contou a toda a gente. E disse à Cereja que "ia ajudar a filipa em tudo" – isto porque lhe pedimos para não discutir com o gui, nem teimar com os brinquedos, como às vezes faz. Às tantas recebi um sms da filipa a dizer que estava tudo a correr lindamente. Houve uma disputa por causa de um carrinho e diz o joão para o gui: nós somos amigos, ok? Somos da mesma família e somos amigos, ok? E o gui: ok. Assunto arrumado.
é a melhos maneira de aprender que muitas vezes a nossa real família somos nós a escolhê-la, e nela se incluem tanto alguns parentes como alguns aderentes.

Este ano a escola é muito diferente: alguns pais, empurrados pela crise levaram os filhos para a escola pública. da sala do joão saíram vários amigos para o 1º ano. da idade dele ficaram só a matilde, o tiago e a carolina. e entraram muitos meninos muito novinhos. Vê-se que o joão está impaciente por começar as "histórias da matemática" e outras actividades dos mais crescidos. E que se impacienta um pouco por não ter sido ainda possível iniciar algumas das rotinas da sala: o plano do dia, as discussões do conselho de sala... A Marta disse-me que este ano tudo será necessariamente mais lento: o ritmo será muito marcado pelos mais pequenitos, que este ano são particularmente novinhos. Nota-se a pressa do joão: escreve o abecedário, compõe palavras (às vezes ao calhas) no tabuleiro de letras magnéticas. Quer ler, quer andar para a frente. Se lhe digo que não é assim que se escreve, por exemplo, riposta: mas em "volante" escreve-se assim. "Volante" é uma ficção que ele arranjou (mais uma): é a língua que se fala e que se escreve na ilha, na madeira, onde continua a viver. ou pelo menos continua a viver a lontrinha e a mãe da lontrinha (minha nora, como ele me diz). Passa a vida a telefonar-lhe: compausas, com perguntas que depois ficam suspensas à espera de uma resposta "do outro lado". Um actor, este meu filho!
ontem deu-me um desenho, um calendário. a atestar as preocupações dele com o correr do tempo: os planos para daqui a um ano, quando entra para a escola, para depois... e depois.



terça-feira, 13 de setembro de 2011

aos soluços


parece que isto sai aos soluços. passo meses sem pensar nisto. dá para pensar que sentido terá. acho que no fundo há a ideia de o dar um dia ao joão, como lembrança de um tempo de que ele pouco recordará. mas é capaz de haver mais alguma coisa, não sei.
agora que desatei a escrever mais regularmente (contos, poesia) é possível que este registo me ocorra menos frequentemente. assim, lá tenho eu de recorrer aos apanhados dos últimos tempos.

há o Bichano, claro, que de certo modo apareceu para preencher o lugar deixado pelo chá-chá.
andei muito tempo a tentar catrapiscar um dos gatinhos brancos (talvez irmãos ou primos do chá-chá, pelo menos nasceram aqui perto) que vivem na casa abandonada perto das mónicas. mas eles mostravam-se ariscos e nada de se deixarem convencer pelos petiscos que lhes levava. acabei por desistir. um dia um vizinho (álvaro, pai do sandro, que vive perto da tal acsa e assisitu às minhas tentativas de engate) tocou à nossa porta: trazia um gatinho que tinha comprado na feira da ladra. E cá está ele. o nome foi escolhido por votação (viciada!): pusemos as várias hipóteses num papelinho dentro de um chapéu e tiramos um. O joão tinha posto miau-miau e bichano. eu pus bichano e bichano. a cereja tareco e bichano. o meu lóbi deu resultado, como se viu ;-)
há dias escrevi uma série de poemas (um velho camponês que fala da sua vida, a que lhe resta, e dos campos abandonados). Num delss fala do seu gatinho: é o bichano. era no bichano que eu estava a pensar:

um gato e eu cansado


nada pesa do meu cansaço
no incessante batalhar
deste gato buliçoso
que se inventa beligerâncias
saltos esquivos
arranques súbitos de garras em riste

os anos foram passando e com eles se apagam
os sinais que outros anos foram deixando
e que agora só a intocada felicidade
do gato
a expectativa paciente do cão
me fazem lembrar

(...)

porque é assim o gatinho: sempre alerta, sempre em guerra contra todo o tipo de inimigos imaginários: uma folha que se agita, um resto de papel que esvoaça. Eriça-se, põe-se de lado, em pose de ataque. e depois deita-se no meu peito, se me estendo no sofá, e põe-se a ronronar as aventuras que se calhar imaginou.

outras coisas:
fomo a braga, ao gerês e daí a santiago de compostela. dizem que quem lá não for em vida terá de o fazer depois de morrer. fica feito: sempre se poupa o trabalho e o susto.

vai sair em outubro o livrinho sobre monserrate, com o conto que escrevi, a alfaiata. escrevi-o a bem dizer para compensar o amadeu da "nega" da luisa (e através dela da hélia). há que as entender: são escritoras profissionais, vivem do que escrevem. e favores aos amigos
é como pedir ao merceeiro se nos pode ceder umas batatinhas e umas cenouras, mal acomparado. senti que de certo modo tinha criado falssas expectativas ao amadeu, que ficou assim pendurado, sem alternativa. e pus-me então a escrever um conto, com uma história que não sei de onde me veio. é que nem seuqer tinha ido alguma vez a monserrate. o que ali aparece vem do que li na internet sobre o parque e o palácio.
só há dias fui finalmente lá. com o eduardo, que tinha de tirar umas fotografias mais para serem usadas na capa do livro.
Se entretanto não houver nenhuma alteração, a capa ficará assim, com esta fotografia do eduardo:







e começou a escola.
este ano com o Gui tb na sala do joão.










sexta-feira, 24 de junho de 2011

o luto





já chorei muito por causa deste gato pateta. desapareceu numa noite de domingo, chovia muito, trovoava. pode ser que tenha ficado assustado. mas não: ele não era de ter medo dessas coisas. deve ter ido correr mundo, sei lá o que se passa na cabeça de um gato. mas são muitas as saudades: não há outro bicho assim, tão meigo, tão cúmplice nas brincadeiras.
a cereja ainda sonha com ele. o joão talvez não tenha ainda percebido, ou não queira perceber... Diz: que gato maluco. por onde andará?
não há dia que não nos telefonem. espalhamos cartazes por grande parte de alfama e as pessoas ligam a dizer que viram um gato branco. já conhecemos todos os gatos brancos das redondezas. mas nenhum tão bonito como o nosso.
conhecemos também as pessoas e as casas aqui à volta. não sabíamos como tudo está tão velho, tão abandonado, em ruínas, tendo-se em pé pelos poucos cuidados que lhes dão para não caírem de vez. no meio do bairro (da cidade, da capital) baldios ao abandono mais estrito, lixo, caliça a esboroar-se. e depois as pessoas: que no meio disto tudo conseguem ainda uma reserva de ternura para os bichos. há pessoas que todos os dias dão de comer aos gatos vadios. conhecem-nos um a um, olham por eles.
também no canil municipal: uma boa surpresa. os animais são bem tratados, pareceu-nos. e o homem que trata dos gatos via-se que gostava deles, que lhes ganhava afeição.
à custa do gato aprendemos muito sobre as pessoas.
mas agora vamos ter de nos despedir do cha-cha. pode nunca mais aparecer. e já estamos a pensar em adoptar outro, talvez em setembro. custa-me viver sem um gatinho: são uma espécie de ligação ao sentido da vida, ao que ela tem de mais gratuito e intenso, talvez.

as coisas invisíveis

disse o joão: ó pai, sabes porque é que há coisas invisíveis? Porque há a palavra "invisível". se há uma palavra é porque há coisas invisíveis.
não anda longe o rapaz do nosso criador iavé que ao nomear as coisas lhes dava existência. ainda vai longe, o moço. já não lhe bastava a sua ilha, as suas caçadas aos bisontes…

terça-feira, 10 de maio de 2011

tradutor traidor



recebi agora mesmo um meile do Tiago (Ahab) com a revisão da tradução da Sukkwand island. Entre várias considerações dizia:

E acho que por ora é tudo. Parabéns pela tradução. O Zé tem um jeitinho muito especial e uma marca autoral muito forte. Eu acho que consigo reconhecer uma tradução sua mesmo não sabendo que a fez.

Não esperei pela demora e mandei-lhe um meile a prometer uma releitura rápida das propostas dele. e também as minhas considerações:

Vou ler, mas à partida concordo com o seu método. e é verdade: o revisor tem forçosamente outro olhar sobre o texto. E ainda bem: o tradutor sofre necessariamente da "simpatia" que lhe impede de ver os próprios erros-deslizes-más escolhas (o que se quiser).
Tenho é medo da tal "marca autoral" e do, tantas vezes tido por elogio, "lê-se muito bem em português". Às vezes desconfio.
Lembro-me de uma vez em que alguém me disse: "gosto muito das tuas traduções, até parece que o autor escreveu em português. Só não gosto da (um livro que eu traduzi). Está um bocadinho... não sei... o português não corre bem". No fundo, tomei aquilo por um elogio: tratava-se de um autor com um estilo esforçado, trabalhado. Não era de um autor que dominasse bem os recursos da sua própria língua. A história avançava um bocado aos solavancos, se assim se pode dizer. Pensei (se calhar levianamente) que o testemunho daquele leitor me absolvia de ter "feito literatura" à custa do pobre americano, que andava longe de tal pecado.

E este é um frequente equívoco sobre as traduções, e sobre as traições da tradução, facilmente aceites por serem tidas por justificadas. Esquece-se que essa "justificação" ºe estranha ao texto original. E que a justificação assenta nas "nossas" razões, as que estão deste lado (e são ignoradas, ou até desconhecidas) pelo lado de onde o texto nos chega. Quando o tradutor se mete a "interpretar", a aclarar, a "alindar", a "pôr em bom português" o que recebe, e tem por ininteligível, ambíguo, canhestro... corre sérios riscos de estar a escrever outro texto. Não que daí venha algum mal ao mundo. Ou que não seja, só por si, um exercício possíve, ou interessante. A não ser que não seja essa a tarefa de que foi encarregado. E, além do mais, pode muito bem ser que o autor tenha querido, naquele caso, por exemplo, ser ambíguo, ou até initeligível...
Lembro-me da Sontag se ter queixado numa das cartas (ou meiles) que trocamos que não gostava nada da tradução francesa do "Amante do Vulcão": a tradutora tinha-se posto a "fazer estilo". Li a tradução e compreendi o que a tautora queria dizer: num livro em que ela usa, deliberadamente, vários registos de escrita (do jornalísitico, ao pastiche de época) a tradutora pôs-se a "melhorar" os nacos que lhe pareciam... menos conseguidos, do ponto de vista "literário", naturalmente. Mas muita gente dirá: destá escrito num francês impecável. Mas que não tem a ver com o exercício que a escritora quis fazer. Mas, sobretudo, a tradutora impediu, desse modo, que os leitores franceses percebessem (e se se quiser julgassem) essa tentativa da autora.
Às vezes, pelo menos nos casos em que me pareça que valerá a pena o esforço de propor ao leitor português tanto quanto possível as mesmas condições de que goza à partida o leitor da língua original, tenho proposto ao editor uma "nota do tradutor" em que possa explicar de certo modo a estratégia seguida, o método usado e as ferramentas utilizadas para "passar a fronteira". Fiz isso no caso do Erri de Luca (outro autor avesso ao "literário"), do Pasolini ("Uma Vida Violenta"), mais que não fosse para permitir ao leitor medir a perda irremediável do uso do dialecto romanesco no original. Não o pude fazer nas traduções do Salinger (porque como se sabe o autor abjurava notas de tradução), com grande pena minha, porque houve opções que tive de fazer e que gostava que o leitor portugu^rs tivesse consciência disso mesmo. Opções que tem a ver com o comércio às vezes necessário entre o texto e o sentido, como no caso de jogos de palavras literalmente intraduzíveis (ou se traduzem as palavras e se perde o sentido, ou vice-versa. E discutível será se o tradutor deverá nesse caso encontrar um jogo equivalente, que não traduz o que lá está mas "dá" o que se pretende. Mal acomparado: não sendo possível traduzir o jogo, usam-se as regras desse jogo para um jogo diferente)
No caso de Sukkwand Island, não sei bem o que decidir. Às vezes temo que, confundindo a mensagem com o mensageiro, digamos assim, se pense que o tradutor (eu) esteja mortinho por sair de detrás das cortinas (onde deveria muito bem deixar-se ficar, dirão) e esteja a pôr-se em bicos de pés para que o oiçam. E não é nada disso. Tanto como a maior parte (é o que eu acho) dos leitores e dos autores de ficção odeio notas do tradutor, notas de rodapé, a "dar informação", a colmatar lacunas, até a "corrigir" o texto original. Não é disso que se trata: o que defendo é, em certos casos, notas do tradutor que expliquem a quem não tomou contacto directo com o original o que se "perdeu na tradução" ou a explicar a estratégia seguida para "minorar" os danos inevitáveis da passagem da fronteira linguística. Para mim, é uma questão de lealdade, só isso. Mas também é certo que ninguém me encomendou o sermão. Também é certo que se pode dizer: faz o que puderes e depois lança o texto à água, que o mesmo é dizer à ventura: ele que se defenda. o leitor maior e vacinado lá estará para julgar. Pode ser que sim...
Mas ia a dizer que com tais dúivdas na gaveta mandei aos Ahab um texto que poderia, se eles assim achassem, ser incluído como uma nota (final), destinada aos leitores mais curiosos, ou rigorosos.
Era assim (porque não sei o que decidirão):

nota do tradutor

Não é obviamente tarefa do tradutor sugerir, e muito menos impor, a sua leitura, sequer “uma” leitura, aos leitores das obras que traduz. Mas por outro lado, dando cumprimento à sua parte no “pacto de lealdade” que tacitamente com eles estabelece, cabe-lhe, na minha opinião, fornecer os elementos que o seu contacto próximo com o original lhe permitiu recolher, de modo a que o leitor – muito embora sabendo que o que lê é a versão portuguesa de um livro escrito noutra língua – tenha uma experiência o mais próxima possível da leitura do original. O que implica desde logo utilizar na tradução as mesmas ferramentas e recursos usados pelo autor, sem procurar eliminar ou atenuar os possíveis efeitos de estranheza do original através da sua reformulação de acordo com normas ou convenções consideradas mais próximas do leitor.

No caso deste livro, o problema poderia pôr-se, dadas as especiais características da escrita por que David Vann optou nesta história. É possível que a leitura deste livro, pelo menos a princípio, seja acompanhada por uma sensação de estranheza e de um certo “desconforto”, que resulta da singular construção da narrativa, das frases longas e “descosidas”, assim como da pontuação utilizada, ou da sua ausência. Este “efeito de perturbação” sentido pelo leitor, ao ser-lhe negado o apoio das convenções das normas de escrita mais frequentes, esbate-se depois à medida que a cadência das frases vai impondo uma espécie de toada interior que se sobrepõe às pausas e ao ritmo que uma pontuação convencional poderia determinar. Ao mesmo tempo, apercebemo-nos que esta escrita é também uma das mais poderosas ferramentas utilizadas pelo autor para criar este universo sufocante, inquietante, que sentimos avançar para um desfecho inevitável que não sabemos ainda qual seja, mas que nos compele a prosseguir.

Além disso, a integração do discurso directo no corpo do texto, sem nenhum dos sinais identificadores da norma (aspas, travessão, etc.), aproxima a narração – feita na primeira parte do ponto de vista de uma das personagens, e de outra na segunda parte – de um longo monólogo, seguindo a corrente de consciência de um virtual narrador. O resultado é um poderoso efeito de experiência vivida, de narração quase autobiográfica, que depois outros elementos nos obrigam a pôr em dúvida, sem nunca definitivamente a pôr de parte.

Importará a este propósito saber que a história aqui traduzida faz parte de um livro (“Legend of a Suicide”) que inclui várias outras histórias e inclusive um “post scriptum” com uma entrevista e uma pequena crónica do autor, intitulada “As armas do meu pai”, onde conta brevemente o suicídio do pai, em circunstâncias coincidentes em vários pontos com a narrativa de “Sukkwand Island”. Por outro lado, as personagens das demais histórias têm pelo menos nomes idênticos aos que surgem aqui, o que poderia confirmar o carácter autobiográfico da narração, se não fosse um curioso “efeito de refracção”, chamemos-lhe assim, em que a imagem surge suficientemente desfocada e desfigurada para que, sem deixar de remeter para essa identidade, não seja possível fazer coincidir as duas “versões” da história. Na realidade, só os nomes, os locais e um ou outro facto central coincidem, deixando patente a recriação do universo de onde partem as várias narrativas. Fica, como resíduo, a ideia de um acontecimento imensamente traumático que a escrita de certo modo “exorciza”, se quisermos aceitar tal dimensão para a escrita de ficção.

Não é indispensável, porém, a leitura das outras histórias para sentirmos a tremenda pulsão de medo e de inquietação que vibra nas páginas de “A Ilha Sukkwand”, um efeito em grande parte decorrente do modo como está escrito: uma pontuação rarefeita que, libertando o texto das pausas convencionais, impõe à narração um ritmo próprio, reforçado pelas frases longas, com um extenso encadeado de elementos quase sempre ligados apenas pela conjunção “e”. A isto acresce um vocabulário elementar, repetitivo, uma ausência total de figuras de estilo e de efeitos retóricos, onde mesmo o recurso a metáforas se pode contar pelos dedos – tudo o que adere e parece reflectir o universo fechado da narrativa, praticamente sem aberturas para o exterior da ilha. A escrita é assim também como que um espelho da natureza, elementar, livre ainda da intervenção do homem civilizado, e onde a vida das personagens se resume praticamente às actividades primordiais da subsistência, comer, dormir, caçar, pescar. Daí a importância de respeitar na versão portuguesa as opções do autor – de estilo, de registo, de vocabulário, de pontuação, inclusive – porque disso depende em grande parte a tensão e a densidade de toda a narrativa.

Digamos então que esta nota, ao procurar expor brevemente a estratégia seguida para aproximar a tradução do original, cumpre uma função semelhante à representação da escala nos mapas geográficos destinada a indicar a distância entre a chamada realidade e a sua figuração.






porcos e maus

acabei ontem "Um passeio no campo", uma história tremenda em que um pacato burocrata, que para apssar as horas vai dar uma volta pelo campo, acaba a ser comido pelos porcos de uma pocilga. Nem sei como me deu para aquilo, mas foi assim que aconteceu. Estou a ver as pessoas que me conhecem tão pouco avesso a tais violências a perguntar-se, a perguntar-me, como tal é possível. E eu sem saber que lhes dizer. Ao pensar nisso, porque também pensei nisso, acho que diria que me baseei numa história que realmente aconteceu. Na GRécia. Ou num país qualquer, mas talvez dos Balcãs, o que lhe daria o seu tanto de distância, sem no entanto pôr as coisas tão longe que deixaria de ser estranho, ou chocante. As pessoas facilmente se predispõem a aceitar, ou a dispensar mais justificações, para tudo o que aocntece em culturas, em sítios, que não conhecem, ou que escondidamente têm por bárbaros, ou gentios, ou sei lá o quê do que ainda restar dos antigos medos, ou muros, ou abjecções. E sossega os espíritos saber que uma coisa aconteceu, Diria, claro, que na história acontecida tal só foi possível por razões que envolvem uma vingança, um assalto, uma refrega. Enfim tudo razões que ainda assim permitem justificar, achar justificada, mesmo que não aceite, a violência de pessoas sobre pessoas. Tranquiliza de certo modo saber que a violência tem alguma coisa de vagamente racional, de motivações que possamos compreender, até sentir, ainda que em grau atenuado. A violência do fanático pode ainda, deste modo, ser compreendida. São outras as nossas verdades, é muito diferente a nossa disposição para a violência em nome dessas (nossas) verdades, mas por aí podemos ainda chegar ao que move a violência do outro. É o que se ouve por aí: sim foi violento, mas também... (e vai-se buscar o que do outro lado pode "justificar" tal resposta). Ou o jogo dos equivalentes (o fundamentalismo islâmico pela inquisição), ou das razões histórias, ou políticas, etc. etc. Mas já vou longe do arrazoado inicial – dizia que é possível que com tais alibis pudesse fazer passar a violência da minha história. Só que aí a violência dos que atiram a tal pacata personagem para a pocilga onde acabará possivelmente por ser devorado (digo possivelmente porque a história o deixa aí semi-incosciente, se calhar sem coragem de ficar até ao fim) é totalmente desprovida de tais razões (não o roubam, ele não os provocou de maneira nenhuma, não se sabe sequer quem são eles, nem o que ali fazem). É realmente tremendo.
E o mais estranho, e estava a pensar nisso, mesmo enquanto escrevia tais enormidades, é que tudo se passava numa tarde ensolarada, aqui no meu terraço, diante de um Tejo luminoso, com o João e o Francisco a brincarem á minha volta. E a interromperem-me com perguntas, e provocações para a brincadeira. Um quadro perfeitamente doméstico, longe de toda aquela violência e abjecção. Logo alguém se lembrará das histórias dos carrascos que ouviam Mozart. E outros irão buscar o seu Freud para me virem com a sublimação, a compensação, o recalcamento, de sei lá quê. E às tantas será mesmo, quem sou eu para os desdizer? Mas penso também às vezes que o que me pode ter levado para ali, ou antes: que o que pode ter trazido aquilo para aqui, é precisamente o que há de irracional, de injustificado, de incoercível, até de inominável em tanta da violência que sobre nós se abate, e que muitas vezes (talvez também para esconjurar essa des-razão) nem sequer é sentida como propriamente violência: se não é possível nomear o causador, a causa, acabamos por considerar o que acontece como inevitável, como parte "da vida", "das coisas, como elas são". E no entanto o que a mim mais me choca em muita dessa violência em que está envolta grande parte da nossa vida, mesmo a mais pacata, a mais burocrática, a mais apagada, é a impossibilidade (ou o sentimento de impossibilidade) de a evitarmos (ou de lhe responder, em certos casos, e ou em nos defendermos, noutros casos). É difícil admitir, mas é assim, que a violência é sempre gratuita, é sempre, de certo modo, irracional. Mas isto só se torna evidente quando se esgotam os nossos meios de a reconduzir às "razões", às motivações, às justificações que conhecemos. Talvez vá nisso a nossa crença na lógica do mundo, e das coisas. Porque sem isso, no fundo é o que nós tememos, tudo seria insuportavelmente absurdo.



Sic transit...


Há dias, estive a falar com o Amadeu, sobre as voltas e reviravoltas em que o João Rodrigues acabou por se meter quando a Porto Editora se meteu tão declaramente na vida dele. Ou ele a meteu. Ou teve de a meter. Enfim, as declinações poderiam prolongar-se, mas fica o facto, o osso, que agora há que roer.

E hoje li num blogue:

"Feira do Livro

Vejo que a Porto Editora comeu o João Rodrigues (Sextante)."
Assim, com a brevidade e a crueza de um epitáfio.
Num meile para o Amadeu, comentei: Só espero que o nosso João consiga ainda dar-lhes muitas indigestões. Mas digo-o, que a minha fé é pouca, só porque gosto muito do João.






quarta-feira, 2 de março de 2011

a ocupação das atribos índias



mal se pode dar um passo sem tropeçar em tipis, peles de bisontes, arcos e flechas e toda a parafernália das atribos (sic!) índias que agora enxameiam por esta casa, a quem o joão (aliás, Flecha-Veloz) abriu a porta, levado sei lá por que fantasia. não sei se algum filme que viu na escola, algum livro que lhe leram... habituo-me à ideia de que grande parte das coisas que ele agora descobre, palavras que aprende, relações entre realidades diferentes, e até novos amigos, que de vez em quando irrompem literalmente pelo quotidiano dele dentro, quase avassaladores e exclusivos. Agora é a Matilde. pede-me para não o ir buscar muito cedo. porquê?, pergunto eu admirado com a novidade, ele que antes se mostrava sempre impaciente se eu me atrasava. porque quer brincar mais com a matilde. ontem contou à mãe que acha que ela é namorada dele. porquê? porque lhe disse que tinha dois namorados: um era o (não sei) e outro era o (e disse outro nome). mas a seguir desatou-se a rir e disse: enganei-te, enganei-te, és tu. vejam lá a sedutora de cinco aninhos! mas mesmo isso não interfere com a intensa vida do acampamento índio cá em casa, que exige a minha participação (sob o pseudónimo oportuno de "Nuvem-que-passa", que também não sei onde ele foi buscar. disse-me que inventou. e é capaz disso, a julgar pelas odisseias diárias que desfia desde a escola até casa com os últimos acontecimentos na ilha, agora também povoada de índios e bisontes a dar com um pau, mas sempre sob o olhar vigilante da "mãe d'ursinho".
até os desenhos, como estes "tipis".
grande parte do material destas histórias vêm também dos filmes, que vê. como não temos televisão, o joão vê muitos dvds, que lhe compramos ou lhe oferecem, próprios para a idade dele. vai fazendo uma espécie de aprendizagem da gramática dos filmes – a ideia de plano, de seuqência e até de flash-back. Têm de ser histórias lineares, sem grande enredo, sem muitos personagens, mas que ele vê (no computador da Cereja) vezes sem conta.às vezes de enfiada. Ouço-o a rir-se sozinho com as maluqices do urso do livro da selva, com as cenas delirantes do dumbo. gosta da mary poppins, da pantera cor de rosa, das aventurasd do d'artacão dos três mosCÃOteiros, a maior parte deles oferecdidos pela tia lurdes.
aos sábados à tarde vamos às vezes às sessões da Cinemateca júnior, no palácio foz.o sítio é lindo, e no fim do filme normalmente fica um pouco a fazer desenhos com umas animadoras da cinemateca que lá estão. já escrevi à directora da cinemateca a louvar tudo isto, com medo que ainda nos tirem uma coisa tão boa. O joão adora. ainda por cima normalmente vão outros amigos: as gémeas, o gui. houve uma vez que foi a atribo toda: rodrigo, gui, francisco, as gémeas, e respectivos adultos acmpanhantes. no sábado passado fomos ver o wall-E, um filme que não é muito fácil, mas ele gostou. não sei é o que ele viu. mas no fim desenhou o wall-e e a eva, as personagens do filme.



domingo, 27 de fevereiro de 2011

entretanto...





muita coisa foi acontecendo. eu a ver: ainda sem saber que voltas lhe dar.
Há dias fui à sala do João. A Marta tem convidado os pais a irem lá falar do que fazem, mostrar alguma coisa que gostem de fazer. Como o "projecto" deste ano da sala é O Livro ela pediu-me que fosse lá falar da tradução. Disse que sim, claro. O livro da Lenda de São Martinho tinha sido um princípio. Durante um convívio na sala tinha visto o livro que
eles tinham feito, com desenhos dos mais crescidos, sobre a Lenda de São Martinho. Uma maravilha! Tentei convencer a Marta a fazermos um livro e depois vendê-lo para pagar as despesas. Pareceu-lhe muito arriscado. Fui então à gráfica cá do bairro e fiz um orçamento: se fizéssemos 100 exemplares ficava à volta de 4 euros. Ainda por cima estava-se perto do Natal, seria fácil convencer os pais a comprarem vários exemplares para prendas de Natal. wishful thinking, foram poucos os pais que foram além do exemplar único. De qualquer modo acabaram por se venderem todos. A Marta diz que lhes vai explicar que o "lucro", resultado do trabalho deles, será para gastar no que eles decidirem. Vai ser lindo, vê-los a discutir.
Fui com eles à gráfica assistir à última fase da produção do livro e agora quando se tratou de ir lá falar de livros traduzidos já foi mais fácil explicar que como nem todos os livros estão escritos em português é preciso escrevê-los na nossa língua. Há lá meninos de diferentes países e vimos como se dizia obrigado em várias línguas. A Alia disse em alemão, o Tiago em italiano, a Krishna em hindi (acho eu...), o Filipe sabia dizer em espanhol, o João sabia em francês e em inglês. Depois li um pouco da história do Cário e Bactério, que traduzi em tempos para a Querco da Eva. No fim fizeram desenhos inspirados na história.



Veio o natal, veio o Ano Novo, mandei uma mensagem de ano novo com uma fotografia do João, abraçando um leão-bebé, que tirou quando foi com a cereja a um circo no Coliseu. Fica aqui, para ele depois se lembrar. Com mais umas de anos anteriores: