terça-feira, 10 de maio de 2011

porcos e maus

acabei ontem "Um passeio no campo", uma história tremenda em que um pacato burocrata, que para apssar as horas vai dar uma volta pelo campo, acaba a ser comido pelos porcos de uma pocilga. Nem sei como me deu para aquilo, mas foi assim que aconteceu. Estou a ver as pessoas que me conhecem tão pouco avesso a tais violências a perguntar-se, a perguntar-me, como tal é possível. E eu sem saber que lhes dizer. Ao pensar nisso, porque também pensei nisso, acho que diria que me baseei numa história que realmente aconteceu. Na GRécia. Ou num país qualquer, mas talvez dos Balcãs, o que lhe daria o seu tanto de distância, sem no entanto pôr as coisas tão longe que deixaria de ser estranho, ou chocante. As pessoas facilmente se predispõem a aceitar, ou a dispensar mais justificações, para tudo o que aocntece em culturas, em sítios, que não conhecem, ou que escondidamente têm por bárbaros, ou gentios, ou sei lá o quê do que ainda restar dos antigos medos, ou muros, ou abjecções. E sossega os espíritos saber que uma coisa aconteceu, Diria, claro, que na história acontecida tal só foi possível por razões que envolvem uma vingança, um assalto, uma refrega. Enfim tudo razões que ainda assim permitem justificar, achar justificada, mesmo que não aceite, a violência de pessoas sobre pessoas. Tranquiliza de certo modo saber que a violência tem alguma coisa de vagamente racional, de motivações que possamos compreender, até sentir, ainda que em grau atenuado. A violência do fanático pode ainda, deste modo, ser compreendida. São outras as nossas verdades, é muito diferente a nossa disposição para a violência em nome dessas (nossas) verdades, mas por aí podemos ainda chegar ao que move a violência do outro. É o que se ouve por aí: sim foi violento, mas também... (e vai-se buscar o que do outro lado pode "justificar" tal resposta). Ou o jogo dos equivalentes (o fundamentalismo islâmico pela inquisição), ou das razões histórias, ou políticas, etc. etc. Mas já vou longe do arrazoado inicial – dizia que é possível que com tais alibis pudesse fazer passar a violência da minha história. Só que aí a violência dos que atiram a tal pacata personagem para a pocilga onde acabará possivelmente por ser devorado (digo possivelmente porque a história o deixa aí semi-incosciente, se calhar sem coragem de ficar até ao fim) é totalmente desprovida de tais razões (não o roubam, ele não os provocou de maneira nenhuma, não se sabe sequer quem são eles, nem o que ali fazem). É realmente tremendo.
E o mais estranho, e estava a pensar nisso, mesmo enquanto escrevia tais enormidades, é que tudo se passava numa tarde ensolarada, aqui no meu terraço, diante de um Tejo luminoso, com o João e o Francisco a brincarem á minha volta. E a interromperem-me com perguntas, e provocações para a brincadeira. Um quadro perfeitamente doméstico, longe de toda aquela violência e abjecção. Logo alguém se lembrará das histórias dos carrascos que ouviam Mozart. E outros irão buscar o seu Freud para me virem com a sublimação, a compensação, o recalcamento, de sei lá quê. E às tantas será mesmo, quem sou eu para os desdizer? Mas penso também às vezes que o que me pode ter levado para ali, ou antes: que o que pode ter trazido aquilo para aqui, é precisamente o que há de irracional, de injustificado, de incoercível, até de inominável em tanta da violência que sobre nós se abate, e que muitas vezes (talvez também para esconjurar essa des-razão) nem sequer é sentida como propriamente violência: se não é possível nomear o causador, a causa, acabamos por considerar o que acontece como inevitável, como parte "da vida", "das coisas, como elas são". E no entanto o que a mim mais me choca em muita dessa violência em que está envolta grande parte da nossa vida, mesmo a mais pacata, a mais burocrática, a mais apagada, é a impossibilidade (ou o sentimento de impossibilidade) de a evitarmos (ou de lhe responder, em certos casos, e ou em nos defendermos, noutros casos). É difícil admitir, mas é assim, que a violência é sempre gratuita, é sempre, de certo modo, irracional. Mas isto só se torna evidente quando se esgotam os nossos meios de a reconduzir às "razões", às motivações, às justificações que conhecemos. Talvez vá nisso a nossa crença na lógica do mundo, e das coisas. Porque sem isso, no fundo é o que nós tememos, tudo seria insuportavelmente absurdo.



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