quinta-feira, 27 de outubro de 2011

nem sei se



o tempo esse ladrão

não deixem à solta o tempo

ou sem açaimo

ladra-nos às canelas as garras de lume

fincadas numa palavra

a que já esquecêramos

um amigo uma casa onde morámos

e mal queremos atentar

ver melhor

de nós já só avistamos uma sombra

um vulto que se desfaz ao longe

ou se volta a dizer adeus



do outro lado

eu a bem dizer pouco sei da vida

viver foi para mim durante muito tempo

o hábito de viver

mas ainda assim inquieto

de ouvido à escuta

dos rumores que chegam do quarto

onde o filho dorme

do outro lado

onde se ouvem as conversas

do outro lado

não é que não possa falar de outras coisas

de quando o mundo se abria em dois

como um fruto

e dele nascia o dia

agora irrepetível

mas é de outras coisas que me pedem que fale.



lembranças à varanda


floriram as lembranças

que tenho na varanda

todos agora podem ver da rua

como encolheram com os primeiros frios

e se tornam amenas quase íntimas

com um gesto desprevenido

alguma palavra que se ouça

de alguém ao passar

abrem-se como braços vorazes

ramificam-se pressurosas

e já se vêem as noites sem sono

as conversas confusas com os amigos

noutros tempos

irrompem como folhas inquietas

renovos tenteantes

enquanto a água corre pela memória fora

até me surgirem nos braços

implacáveis como uma criança



não sei se


supondo agora que sou eu que falo

que sou eu o homem que irrompe ileso

do nevoeiro da infância

e o tempo possível

entre a infância e a amarga contabilidade dos dias

passados longe do mar

dos pássaros das conversas das crianças

como um bicho ferido

arrasto-me na terra e no frio

escavo um refúgio na memória

supondo que sou eu

aquele que tão perfeitamente

por mim se faz passar

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

e vão 65...



no dia certo, logo pela manhã. o joão entrou no quarto, deitou-se a meu lado, quase em cima de mim, e cantou-me os parabéns a você. todo. e no fim: "... para o menino paiii uma salva de palmas."
depois tive mais prendas, mas esta foi a mais bonita de todas. depois houve ainda: um quadro, em tela!!!, pintado por ele em segredo; umas pantufas dadas pela cereja, muito quentinhas; um tabuleiro para tomar o chá, da lurdes; e à noite a cereja preparou uma outra surpresa: tínhamos combinado ir jantar fora, ao restaurante italiano perto do rio. o que eu não sabia é que iam estar lá tb a luísa e o amadeu e a sua anamaria. no momento em que chegámos um barco imenso, daqueles cruzeiros que levam uma cidade de um sítio para outro, preparava-se para partir. gira sobre si próprio, dir-se-ia, vira a proa e lá vai ele. assim eu: nova corrida. nova viagem, coo nas feiras da minha infância. e a mresma descuidada incerteza também.
de certo modo é já mais um tempo adversário do que aniversário, como diz o outro. que sou eu.