sexta-feira, 24 de junho de 2011

o luto





já chorei muito por causa deste gato pateta. desapareceu numa noite de domingo, chovia muito, trovoava. pode ser que tenha ficado assustado. mas não: ele não era de ter medo dessas coisas. deve ter ido correr mundo, sei lá o que se passa na cabeça de um gato. mas são muitas as saudades: não há outro bicho assim, tão meigo, tão cúmplice nas brincadeiras.
a cereja ainda sonha com ele. o joão talvez não tenha ainda percebido, ou não queira perceber... Diz: que gato maluco. por onde andará?
não há dia que não nos telefonem. espalhamos cartazes por grande parte de alfama e as pessoas ligam a dizer que viram um gato branco. já conhecemos todos os gatos brancos das redondezas. mas nenhum tão bonito como o nosso.
conhecemos também as pessoas e as casas aqui à volta. não sabíamos como tudo está tão velho, tão abandonado, em ruínas, tendo-se em pé pelos poucos cuidados que lhes dão para não caírem de vez. no meio do bairro (da cidade, da capital) baldios ao abandono mais estrito, lixo, caliça a esboroar-se. e depois as pessoas: que no meio disto tudo conseguem ainda uma reserva de ternura para os bichos. há pessoas que todos os dias dão de comer aos gatos vadios. conhecem-nos um a um, olham por eles.
também no canil municipal: uma boa surpresa. os animais são bem tratados, pareceu-nos. e o homem que trata dos gatos via-se que gostava deles, que lhes ganhava afeição.
à custa do gato aprendemos muito sobre as pessoas.
mas agora vamos ter de nos despedir do cha-cha. pode nunca mais aparecer. e já estamos a pensar em adoptar outro, talvez em setembro. custa-me viver sem um gatinho: são uma espécie de ligação ao sentido da vida, ao que ela tem de mais gratuito e intenso, talvez.

as coisas invisíveis

disse o joão: ó pai, sabes porque é que há coisas invisíveis? Porque há a palavra "invisível". se há uma palavra é porque há coisas invisíveis.
não anda longe o rapaz do nosso criador iavé que ao nomear as coisas lhes dava existência. ainda vai longe, o moço. já não lhe bastava a sua ilha, as suas caçadas aos bisontes…