terça-feira, 20 de dezembro de 2011
o mal dos outros
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
jardim árabe
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
cenas do meu bairro
Namoro de bairro (1)
Vem morar para ao pé de mim, amor
Iremos juntos pela manhã ao mercado
comprar flores, cerejas
um peixe inteiro com suas escamas de luz.
Namoro de bairro (2)
Chegaram as primeiras cerejas
e a mulher que as vende
num cesto, junto ao passeio
parece trazer ainda nos gestos
(ou será nos olhos, no jeito de falar)
o cheiro do campo
o rumor dos pássaros
vi que apreçavas as cerejas
com tua mãe ao lado atenta
cheguei-me a ti
sem te olhar
mas que ouvisses
e disse: gosto.
E quando voltei a passar
do mesmo modo também
acrescentei depois: muito.
Seguravas o saco de cerejas rutilantes
e sem que a tua mãe entendesse
ainda uma vez voltei
para enfim dizer: de ti.
Olhei-te depois de longe
vi que sorrias
e soube assim que tinha passado
escondido
o amor em contrabando.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
a coragem do leãozinho
Um livro para os amigos

TRÊS CAVALINHOS
Havia três cavalinhos,
Três cavalinhos havia
Um andava a galope
O outro seguia a trote
E o terceiro dormia.
Aí vão eles mundo fora
À procura, à procura
Andavam pelos caminhos
Mas que lindos cavalinhos
Mas que grande aventura.
O primeiro cavalinho
Foi para longe guerrear
Fez a paz e fez a guerra
Para ser dono da terra
E sobre todos reinar.
Era grande o seu poder
Rei de toda a nação
Por todos era temido
Por todos obedecido

Mas amado, isso não.
O segundo cavalinho
Partiu a fazer riqueza
Juntou jóias, juntou ouro
Regressou com um tesouro
Casado com uma princesa.
Toda a gente à sua volta
Pedia favores, dinheiro
Era de todos invejado
Sem nunca ter a seu lado
Um amigo verdadeiro.
O terceiro cavalinho
Ao sabor da fantasia
Correu praias, correu montes
Bebeu em todas as fontes
Das terras da alegria
Teve amigos, teve amores
Que tal era o seu viver
De nada era invejoso
Nem rico, nem poderoso
Que não buscava o poder.
Chegou mais longe e mais viu
O cavalinho risonho
Que se dormia sonhava
E sonhando imaginava
Que toda a vida era Sonho.
sábado, 19 de novembro de 2011
sábado de manhã (2)
Há agora em Lisboa
bandos de papagaios que invadem às vezes
o bairro num alarido de cores e sol
que só conhecíamos dos filmes
ou das histórias que nos contam
Acorro à janela espantado
e surpreendo quase um sorriso
no aceno novo
da palmeira do largo.
* * *
Este menino
Este menino ali
entregue aos seus castelos, barcos, lobos
que logo apaga e volta a erguer
como ilhas, casas, dragões
não sou eu já, que dele me perdi
mas reconheço ainda
o mesmo jeito
o mesmo olhar desprendido
sobre as coisas
a querer ver além do nome
da aparência
o coração que nelas possa bater.
sábado de manhã
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
de bicicleta
no passado domingo o joão andou pela primeira vez de bicicleta (sem ninguém a aguentá-lo por trás). é só para ficar registado. fomos para a beira-rio perto do teatro camões e do oceanário. o joão sabia para o que ia: decidido ao agora ou nunca. ainda andámos um bocado com a mão no selim a ampará-lo, a berrar pedala pedala. depois larguei-o. e ele seguiu a princípio sem dar por que o tinha largado. mas depois corri ao lado dele a animá-lo. estava orgulhosíssimo (ele e eu e a cereja, claro).
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
nem sei se
o tempo esse ladrão
não deixem à solta o tempo
ou sem açaimo
ladra-nos às canelas as garras de lume
fincadas numa palavra
a que já esquecêramos
um amigo uma casa onde morámos
e mal queremos atentar
ver melhor
de nós já só avistamos uma sombra
um vulto que se desfaz ao longe
ou se volta a dizer adeus
do outro lado
eu a bem dizer pouco sei da vida
viver foi para mim durante muito tempo
o hábito de viver
mas ainda assim inquieto
de ouvido à escuta
dos rumores que chegam do quarto
onde o filho dorme
do outro lado
onde se ouvem as conversas
do outro lado
não é que não possa falar de outras coisas
de quando o mundo se abria em dois
como um fruto
e dele nascia o dia
agora irrepetível
mas é de outras coisas que me pedem que fale.
lembranças à varanda
floriram as lembranças
que tenho na varanda
todos agora podem ver da rua
como encolheram com os primeiros frios
e se tornam amenas quase íntimas
com um gesto desprevenido
alguma palavra que se ouça
de alguém ao passar
abrem-se como braços vorazes
ramificam-se pressurosas
e já se vêem as noites sem sono
as conversas confusas com os amigos
noutros tempos
irrompem como folhas inquietas
renovos tenteantes
enquanto a água corre pela memória fora
até me surgirem nos braços
implacáveis como uma criança
não sei se
supondo agora que sou eu que falo
que sou eu o homem que irrompe ileso
do nevoeiro da infância
e o tempo possível
entre a infância e a amarga contabilidade dos dias
passados longe do mar
dos pássaros das conversas das crianças
como um bicho ferido
arrasto-me na terra e no frio
escavo um refúgio na memória
supondo que sou eu
aquele que tão perfeitamente
por mim se faz passar
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
e vão 65...
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
família alargada
terça-feira, 13 de setembro de 2011
aos soluços
parece que isto sai aos soluços. passo meses sem pensar nisto. dá para pensar que sentido terá. acho que no fundo há a ideia de o dar um dia ao joão, como lembrança de um tempo de que ele pouco recordará. mas é capaz de haver mais alguma coisa, não sei.
um gato e eu cansado
sexta-feira, 24 de junho de 2011
o luto

as coisas invisíveis
terça-feira, 10 de maio de 2011
tradutor traidor
nota do tradutor
Não é obviamente tarefa do tradutor sugerir, e muito menos impor, a sua leitura, sequer “uma” leitura, aos leitores das obras que traduz. Mas por outro lado, dando cumprimento à sua parte no “pacto de lealdade” que tacitamente com eles estabelece, cabe-lhe, na minha opinião, fornecer os elementos que o seu contacto próximo com o original lhe permitiu recolher, de modo a que o leitor – muito embora sabendo que o que lê é a versão portuguesa de um livro escrito noutra língua – tenha uma experiência o mais próxima possível da leitura do original. O que implica desde logo utilizar na tradução as mesmas ferramentas e recursos usados pelo autor, sem procurar eliminar ou atenuar os possíveis efeitos de estranheza do original através da sua reformulação de acordo com normas ou convenções consideradas mais próximas do leitor.
No caso deste livro, o problema poderia pôr-se, dadas as especiais características da escrita por que David Vann optou nesta história. É possível que a leitura deste livro, pelo menos a princípio, seja acompanhada por uma sensação de estranheza e de um certo “desconforto”, que resulta da singular construção da narrativa, das frases longas e “descosidas”, assim como da pontuação utilizada, ou da sua ausência. Este “efeito de perturbação” sentido pelo leitor, ao ser-lhe negado o apoio das convenções das normas de escrita mais frequentes, esbate-se depois à medida que a cadência das frases vai impondo uma espécie de toada interior que se sobrepõe às pausas e ao ritmo que uma pontuação convencional poderia determinar. Ao mesmo tempo, apercebemo-nos que esta escrita é também uma das mais poderosas ferramentas utilizadas pelo autor para criar este universo sufocante, inquietante, que sentimos avançar para um desfecho inevitável que não sabemos ainda qual seja, mas que nos compele a prosseguir.
Além disso, a integração do discurso directo no corpo do texto, sem nenhum dos sinais identificadores da norma (aspas, travessão, etc.), aproxima a narração – feita na primeira parte do ponto de vista de uma das personagens, e de outra na segunda parte – de um longo monólogo, seguindo a corrente de consciência de um virtual narrador. O resultado é um poderoso efeito de experiência vivida, de narração quase autobiográfica, que depois outros elementos nos obrigam a pôr em dúvida, sem nunca definitivamente a pôr de parte.
Importará a este propósito saber que a história aqui traduzida faz parte de um livro (“Legend of a Suicide”) que inclui várias outras histórias e inclusive um “post scriptum” com uma entrevista e uma pequena crónica do autor, intitulada “As armas do meu pai”, onde conta brevemente o suicídio do pai, em circunstâncias coincidentes em vários pontos com a narrativa de “Sukkwand Island”. Por outro lado, as personagens das demais histórias têm pelo menos nomes idênticos aos que surgem aqui, o que poderia confirmar o carácter autobiográfico da narração, se não fosse um curioso “efeito de refracção”, chamemos-lhe assim, em que a imagem surge suficientemente desfocada e desfigurada para que, sem deixar de remeter para essa identidade, não seja possível fazer coincidir as duas “versões” da história. Na realidade, só os nomes, os locais e um ou outro facto central coincidem, deixando patente a recriação do universo de onde partem as várias narrativas. Fica, como resíduo, a ideia de um acontecimento imensamente traumático que a escrita de certo modo “exorciza”, se quisermos aceitar tal dimensão para a escrita de ficção.
Não é indispensável, porém, a leitura das outras histórias para sentirmos a tremenda pulsão de medo e de inquietação que vibra nas páginas de “A Ilha Sukkwand”, um efeito em grande parte decorrente do modo como está escrito: uma pontuação rarefeita que, libertando o texto das pausas convencionais, impõe à narração um ritmo próprio, reforçado pelas frases longas, com um extenso encadeado de elementos quase sempre ligados apenas pela conjunção “e”. A isto acresce um vocabulário elementar, repetitivo, uma ausência total de figuras de estilo e de efeitos retóricos, onde mesmo o recurso a metáforas se pode contar pelos dedos – tudo o que adere e parece reflectir o universo fechado da narrativa, praticamente sem aberturas para o exterior da ilha. A escrita é assim também como que um espelho da natureza, elementar, livre ainda da intervenção do homem civilizado, e onde a vida das personagens se resume praticamente às actividades primordiais da subsistência, comer, dormir, caçar, pescar. Daí a importância de respeitar na versão portuguesa as opções do autor – de estilo, de registo, de vocabulário, de pontuação, inclusive – porque disso depende em grande parte a tensão e a densidade de toda a narrativa.
Digamos então que esta nota, ao procurar expor brevemente a estratégia seguida para aproximar a tradução do original, cumpre uma função semelhante à representação da escala nos mapas geográficos destinada a indicar a distância entre a chamada realidade e a sua figuração.
porcos e maus
Sic transit...
"Feira do Livro
quarta-feira, 2 de março de 2011
a ocupação das atribos índias
mal se pode dar um passo sem tropeçar em tipis, peles de bisontes, arcos e flechas e toda a parafernália das atribos (sic!) índias que agora enxameiam por esta casa, a quem o joão (aliás, Flecha-Veloz) abriu a porta, levado sei lá por que fantasia. não sei se algum filme que viu na escola, algum livro que lhe leram... habituo-me à ideia de que grande parte das coisas que ele agora descobre, palavras que aprende, relações entre realidades diferentes, e até novos amigos, que de vez em quando irrompem literalmente pelo quotidiano dele dentro, quase avassaladores e exclusivos. Agora é a Matilde. pede-me para não o ir buscar muito cedo. porquê?, pergunto eu admirado com a novidade, ele que antes se mostrava sempre impaciente se eu me atrasava. porque quer brincar mais com a matilde. ontem contou à mãe que acha que ela é namorada dele. porquê? porque lhe disse que tinha dois namorados: um era o (não sei) e outro era o (e disse outro nome). mas a seguir desatou-se a rir e disse: enganei-te, enganei-te, és tu. vejam lá a sedutora de cinco aninhos! mas mesmo isso não interfere com a intensa vida do acampamento índio cá em casa, que exige a minha participação (sob o pseudónimo oportuno de "Nuvem-que-passa", que também não sei onde ele foi buscar. disse-me que inventou. e é capaz disso, a julgar pelas odisseias diárias que desfia desde a escola até casa com os últimos acontecimentos na ilha, agora também povoada de índios e bisontes a dar com um pau, mas sempre sob o olhar vigilante da "mãe d'ursinho".


domingo, 27 de fevereiro de 2011
entretanto...
muita coisa foi acontecendo. eu a ver: ainda sem saber que voltas lhe dar.



