quarta-feira, 17 de junho de 2009

politicamente correcto



há pouco, no tapete, no ginásio, calhou-me uma daquelas séries americanas (sem som, mas com legendas) que se passa num hospital, cheia de operações, de problemas sentimentais e humanos e ainda mais cheia de boas intenções e de lições morais engatilhadas. Tudo servido em péssimas traduções, com cenas de cafetaria coloquiais e espontâneas num vocabulário tirado directamente do dicionário (as pessoas "deparam-se" com problemas na vida, e usam o futuro simples a torto e a direito...), sempree com falsos amigos à espreita (depois de uma pausa, qualquer coisa que já não sei o quê "resumiu"..., e etc). Mas que se segue, e era sobre isto o sermão de hoje: aquilo tresanda ao politicamente correcto que agora se gasta (pelo menos nos eua) - a série é praticamente um mostruário de todas as minorias (pretos, aliás afro-americanos, indianos, japoneses e americanos de todas as cores e feitios, homossexuais e se calhar outras amostras da variedade do género humano, para que ninguém se possa sentir diminuído, menosprezado, segregado, discriminado... Há qualquer coisa nisto que cheira a sacristia, a uma beatice laica que agora se serve em todos os menus. Não é que haja nisto alguma coisa de novo. Desde que por cá andamos, provaelmente, que recorremos a mil e um artifícios semelhantes para esconjurar os medos, o que nos nega, o que nos humilha, o que nos interpela. Com mais ou menos eufemismos, com mais ou menos hipocrisia, acabamos sempre por recorrer ao desvio, ou ao atalho que nos evita vermo-nos cara a cara com o que mais tememos, ou escondemos, ou não queremos ver. Lembra-me um trolha que conheci em Bruxelas, um português que me contava as suas aventuras na Europa e que às tantas se sai com esta "desde que ando nisto da indústria da decoração"... Indústria da decoração, nada menos. E não como as aparências poderiam indicar nas obras, na construção civil, trolha, pintor, artista ou como aqui sem mais aquelas lhe chamavam.
Antes, talvez, tais esconjuros teriam mais a ver com os medos que deus nos deixou, com os desvios que rodeiam o santo nome de deus ou do seu temido adversário (não vá o diabo tecê-las... melhor será andar de bem com deus e o diabo) ou, sempre, com as regiões obscuras do corpo e dos seus mistérios. Num mundo laico e sem mistério, onde tudo salta á vista, são outros os deuses que mandam, são outros os medos que imperam e são outros os esconjuros que precisamos.
Que mal há nisso? que relentos há aí que nos fazem (mais, menos, um pouco) torcer o nariz? Alguém há tempos me dizia: há no politicamente correcto alguma coisa como os efeitos secundários de um bom medicamento. E teremos de nos decidir se o que importa ver e pesar são os exageros ridículos, a hipocrisia que se vê assim desimpedida de vir ao de cima e outros efeitos análogos; ou se é o facto de representarem a aceitação social, de certo modo, de valores e de princípios que deveriam ser espontâneos? Que mal tem a aceitação corrente, normal, dos direitos de todas as minorias, que mal tem o condenar e riscar do vocabulário os termos que discriminam, ofendem, humilham? Os exageros cairão por si e ficará o que correspoinde ao que há de mais autêntico, como o metal puro surge das escórias.
Também não está mal visto, como dizia o nosso sargento.
A seguir vêm a discussão das quotas (nos partidos, nas empresas, nos movimentos...). E alguém pergunta: na vida? E a discussão recomeça.
Lembra-me de um tipo que dizia: se queres o subsídio, pá, crias uma empresazinha, metes lá uma mulher, um jovem, um deficiente (ou menos válido) e um sindicalista e tens o subsídio garantido. Eram os tempos do politicamente correcto de Bruxelas a ver se os bons princípios pegavam por decreto. De certo modo... porque não?

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