sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

perde-se a Graça




fechou A Morgadinha da Graça. anunciava-se como mercearia fina, se calhar para se distinguir, quando apareceu, há muito tempo certamente, dos lugares que apenas vendiam frutas e verduras. ainda apanhei o dono no tempo em que se desfazia em idas e vindas do balcão para a caixa, para a rua, a descarregar coisas de uma furgoneta, que dizia virem de uma quinta que "lá tinha". todo pimpão, irascível, miudinho, orgulhoso do que tinha para vender. mais tarde ao passar ouvia-o humilde e rasteiro a dizer compre-me alguma coisinha por favor. arrastou-se uns meses. agora fechou.
ao lado fechou também uma loja, velha e revelha, uma correaria, talvez, de mil armários de madeira escura, que vendia couros e tudo o que lhes está aparentado: atacadores, ilhós, cintos...
e fechou o velho indiano que vendia tudo e mais alguma coisa, se é que vendia alguma coisa, porque me parecia que a loja era só um pretexto para estar ali a sorrir a quem passava e a espalhar aquela ternura desprendida de quem não espera muito dos outros. depois começou a vender flores. e uns restos de coisas que por lá ficaram: colheres de pau, imagens coloridas de deuses indianos, saris e véus flamejantes, com lantejoulas. agora até a porta está murada. e ao lado a sapataria também cega, com montra e porta lacradas a tijolo e cimento. e ainda a seguir o restaurante quase tasca que faz esquina com a rua do sol à graça. tudo fechado.
uma morte lenta de que nos vamos apercebendo quando os lugares costumados se escusam aos nossos olhos desatentos.

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