sexta-feira, 23 de novembro de 2012

como um jogo de roda que acaba


não imaginava que a morte da nicha me iria abalar assim. não é que nos víssemos muitas vezes. e quando nos víamos era quase sempre à volta das festas de anos dos miúdos. um ou outro jantarinho. os encontros nas férias, na praia, na roda de amigos e da família. então porquê? e começo então a ouvir de outro modo uma outra maneira de falar entre as pessoas a quem queremos bem: porque percorremos, porque viemos de caminhos próximos, porque há muitas coisas que não se dizem porque se vão vivendo dentro de um não-sei-quê que nos é comum, porque há uma eterna conversa sem palavras numa maneira de viver que se partilha, feita de pessoas, de escolhas e de coisas ainda mais ténues e definitivas. E há outra coisa: com o Jorge, com a Filipa, sobretudo, mas também com o kiko e a sua tribo e amigos como a Isabel e o Sebastião, ela fazia parte de um círculo em que eu me sentia envolvido, de que sentia fazer parte. Gosto do Jorge, gosto da Filipa, gosto dessas pessoas. quando a nicha morre é como se numa roda de gente de mãos dadas uma faltasse, rompesse o círculo, como se assim pusesse fim ao jogo a que todos brincávamos. e uma pessoa torna-se mais, muito mais, do que simplesmente uma pessoa que deixa o jogo. é o jogo que fica incompleto. e há uma tristeza muito grande neste sentir de que há muitas coisas (todas simples, todas sem palavras para as nomear) que sentimos que desapareceram.
Temos na nossa cozinha um tabuleiro que a Nicha pintou para nos oferecer, a mim e à cereja, pelo nosso casamento. é uma presença constante, e uma lembrança de uma ternura especial, que foge às palavras, que diz de outro modo o que quer dizer. e há também a régua desenhada e pintada por ela, que temos à entrada de casa e onde medimos a altura do joão no dia em que faz anos. também assim, discreta, mas bem presente, temos o olá da nicha a receber-nos ao chegar a casa. são as duas coisas obras simples, quase ingénuas, e muito bonitas. há ali muito da nicha: o vagar, se calhar a paciência,  com que fazia as coisas, o tempo que se dava para as "ver" antes de as fazer. em silêncio. não sabíamos de nada: e um dia ela aparece e diz aqui têm, é para  vocês.



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